Isto é o que circula por aí relacionado com o «Processo Marquês». É preciso ter uma grande dose de coragem (?!?!) para acreditar que o homem é inocente. No entanto nada há a fazer até a Justiça correr os seus trâmites. Esperemos com paciência o desenlace.
Sócrates partiu para Paris na manhã de quarta-feira, dia 19 de Novembro. Tudo indica que, nessa altura, já soubesse que a sua detenção estava iminente.
Na véspera tinha almoçado com o ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro. O almoço fora marcado com urgência, de um dia para o outro. Pinto Monteiro tinha um exame médico nessa manhã e avisou que poderia chegar atrasado. Sócrates não se importou, e disse que esperaria o tempo que fosse preciso. Acabou por esperar uma hora no restaurante.
Basta isto para perceber que não se tratava de um almoço de circunstância, como tentou fazer crer o ex-PGR. O pretexto alegadamente apresentado por Sócrates era oferecer a Pinto Monteiro um exemplar autografado do seu livro. Mas este fora publicado um ano antes e Pinto Monteiro até já o tinha, pois estivera presente no lançamento. Parece, pois, totalmente inverosímil Sócrates marcar um almoço de urgência para esse fim.
Pinto Monteiro disse que nesse almoço falaram de livros e de viagens. É bem possível. Sócrates deve ter-lhe oferecido o livro - e também lhe disse com certeza que iria viajar para Paris no dia seguinte. Ora, sendo quase certo que esperava ser detido a qualquer momento, quereria possivelmente saber se Pinto Monteiro estava a par de alguma coisa e saberia pormenores do processo. Isto explicaria a urgência do almoço.
Como previsto, Sócrates partiu para Paris na quarta-feira e deveria regressar na quinta. Também é difícil acreditar que esta viagem não tivesse qualquer relação com o processo em curso. O que poderia determinar uma viagem-relâmpago de pouco mais de 24 horas? O que iria Sócrates fazer de tão urgente a Paris?
Na capital francesa, o ex-primeiro-ministro encontrou-se com os seus alegados cúmplices Carlos Santos Silva e Gonçalo Trindade Ferreira, que entretanto tinham ido à pressa a Londres. Um e outro eram apresentados como seus testas-de-ferro em vários negócios.
Ainda em Paris, Sócrates conversou com o responsável da Octapharma em Portugal, Joaquim Lalanda de Castro, com o qual tinha um alegado esquema de entregas mensais de dinheiro. Lalanda receberia 12 mil euros por portas travessas que juntaria aos outros 12 mil que a Octapharma pagava a Sócrates. Este receberia assim 24 mil euros mensais, quantia indispensável para fazer face às suas despesas.
Ao contrário do previsto, José Sócrates não viajou para Lisboa na quinta-feira, pois adiou o voo para sexta. E na sexta voltou a adiar, já com o check-in feito, sendo obrigado a trocar o bilhete de classe executiva por turística, pois a outra estava completa.
Este segundo adiamento teve obviamente que ver com os acontecimentos da noite anterior, em que os seus amigos Santos Silva e Trindade Ferreira haviam sido presos à chegada ao aeroporto de Lisboa.
A partir daí, Sócrates sabia que iria ser o próximo detido. Por isso, o seu advogado João Araújo viajou de urgência de Lisboa para Paris e teve com ele uma demorada conversa em que discutiram o que fazer.
Mesmo sabendo que seria detido na Portela, Sócrates não podia deixar de regressar ao país. O mandado de detenção estava passado, e se ele não viesse haveria um mandado de detenção europeu e o ex-primeiro-ministro seria localizado num qualquer país da Europa e extraditado para Portugal. Além disso, a tentativa de fuga seria um reconhecimento de culpa.
José Sócrates tinha, pois, de regressar a Lisboa, inteirar-se dos crimes de que era suspeito e preparar a defesa.
Se saísse em liberdade, só com termo de identidade e residência, poderia viajar para o Brasil, como estava previsto, e aí as coisas seriam diferentes. No Brasil não existiria o perigo de extradição, como na Europa. Sócrates poderia ficar lá por tempo indeterminado, a pretexto de estar a tratar de assuntos da Octapharma, adiando sucessivamente o regresso a Lisboa. Estes eventuais planos seriam, contudo, gorados pela prisão preventiva decretada pelo juiz Carlos Alexandre.
De qualquer modo, antes de ser detido, Sócrates rodeou-se de cuidados. Na noite de 20 para 21 de Novembro (de quinta para sexta-feira), deu instruções à empregada de limpeza no Edifício Heron Castilho para retirar o computador de sua casa e mudá-lo para outro apartamento.
À chegada a Lisboa, Sócrates seria efectivamente preso. Mas antes de embarcar fizera outra coisa insólita: avisara um jornalista no qual depositava confiança da sua vinda e previsível detenção. Deste modo, pretenderia que a sua prisão fosse rodeada de grande aparato mediático - fazendo recordar o episódio Strauss-Kahn -, causando um escândalo de enormes dimensões.
Mas os agentes esperaram-no discretamente à saída da manga, conduziram-no discretamente através de uma zona reservada do aeroporto, e as únicas imagens que existem são de um carro onde não se sabe quem vai, filmado por um telemóvel ou uma câmara de vídeo do sistema de segurança.