A geração dos meus pais não foi uma geração à rasca. Foi uma geração com capacidade para se desenrascar. Numa terriola do Minho as condições de vida não eram as melhores. Mas o meu pai António não ficou de braços cruzados à espera do Estado ou de quem quer que fosse para se desenrascar. Veio para Lisboa, aos 14 anos, onde um seu irmão, um pouco mais velho, o Artur, já se encontrava. Mais tarde veio o Joaquim, o irmão mais novo. Apenas sabendo tratar da terra e do pastoreio, perdidos na grande e desconhecida Lisboa, lançaram-se à vida. Porque recusaram ser uma geração à rasca fizeram uma coisa muito simples. Foram trabalhar..
Não havia condições para fazerem o que sabiam e gostavam. Não ficaram à espera. Foram taberneiros. Foram carvoeiros. Fizeram milhares de bolas de carvão e serviram milhares de copos de vinho ao balcão. Foram simples empregados de tasca. Mas pouparam. E quando surgiu a oportunidade estabeleceram-se como comerciantes no ramo. Cada um à sua maneira foram-se desenrascando. Porque sempre assumiram as suas vidas pelas suas próprias mãos. Porque sempre acreditaram neles próprios. E nós, eu e os meus primos, nunca passámos por necessidades básicas. Nós, eu e os meus primos, sempre tivemos a possibilidade de acesso ao ensino e à formação como ferramentas para o futuro. Uns aproveitaram melhor, outros nem tanto, mas todos tiveram as condições que necessitaram. E é este o exemplo de vida que, ainda hoje, com 60 anos, me norteia e me conduz.
Salvaguardadas as diferenças dos tempos mantenho este espírito. Não preciso das ajudas do Estado. Porque o meu pai e tios também não precisaram e desenrascaram-se. Não preciso das ajudas da família que também têm as suas próprias vidas. Não preciso das ajudas dos vizinhos e amigos. Porque o meu pai e tios também não precisaram e desenrascaram-se. Preciso de mim. Só de mim. E, por isso, não sou, nunca fui, de qualquer geração à rasca. Porque me desenrasco. Porque sempre me desenrasquei.
O mal desta auto-intitulada geração à rasca é a incapacidade que revelam. Habituados, mal habituados, a terem tudo de mão beijada. Habituados, mal habituados, a não precisarem de lutar por nada porque tudo lhes foi sendo oferecido. Habituados, mal habituados, a pensarem que lhes bastaria um canudo de um qualquer curso dito superior para terem garantida a eterna e fácil prosperidade, sentem-se desiludidos.
E a culpa desta desilusão é dos "papás" que os convenceram que a vida é um mar de rosas. Mas não é. É altura de aprenderem a ser humildes. É altura de fazerem opções. Podem ser "encanudados" de qualquer curso mas não encontram emprego "digno". Podem ser "encanudados" de qualquer curso mas não conseguem ganhar o dinheiro que possa sustentar, de imediato, a vida que os acostumaram a pensar ser facilmente conseguida.Experimentem dar tempo ao tempo, e entretanto, deitem a mão a qualquer coisa. Mexam-se. Trabalhem. Ganhem dinheiro.
Na loja do Shopping. Porque não ? Aaaahhh porque é Doutor... Doutor em loja de Shopping não dá status social. Pois não. Mas dá algum dinheiro. E logo chegará o tempo em que irão encontrar o tal e ambicionado emprego "digno". O tal que dá status.
O meu pai e tios fizeram bolas de carvão e venderam copos de vinho. Eu, que sou Informático, System Engineer, em alturas de aperto, vendi bolos, calças de ganga, trabalhei em cafés, etc. E garanto-vos que sou hoje muito melhor e mais reconhecido socialmente do que se sempre tivesse tido a papinha toda feita.
Geração à rasca ? Vão trabalhar que isso passa.
À rasca, mesmo à rasca, também já tenho estado. Mas vou à casa de banho e passa-me.
Por: Filipe Oliveira
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