O comunista neoliberal
Por: Alexandre Homem Cristo
A conversão de Bernardino Soares à austeridade esclarece o equívoco sobre a contenção orçamental ser uma opção ideológica. Se um comunista governa tal neoliberal não há alternativa ao rigor orçamental
Loures é, hoje, uma espécie de Portugal dos pequenitos. Não é, de modo algum, depreciação. É mesmo elogio: de acordo com o que se lê na imprensa, perante grandes dificuldades financeiras, o executivo municipal tem levado a cabo um exigente compromisso de contenção orçamental. Um trabalho de igual mérito ao que o Governo do país reclama. Sugere-se, assim, a quem não tiver a paciência para seguir os debates nacionais sobre o Orçamento de Estado para 2015 (OE2015), que acompanhe a discussão política neste município da Grande Lisboa. As questões-chave são as mesmas. E as soluções austeras também. Apesar da diferença: é que se o país é governado pela coligação de direita, Loures é liderada por um comunista.
Mas as diferenças acabam aí. É, pelo menos, o que transparece no discurso com que Bernardino Soares, ex-líder parlamentar do PCP, assinalou o seu primeiro aniversário à frente da Câmara Municipal de Loures, onde recupera para si a argumentação do Governo. E até a oposição reage da mesma forma.
Bernardino Soares colocou a credibilidade no cimo das prioridades – “podemos dizer que há um ganho, que não se mede em euros, nem em estradas, nem em obras, mas que é a nossa maior conquista: a recuperação da credibilidade”. Orgulha-se de falar verdade – “ninguém duvida que estamos próximos das pessoas e lhes falamos verdade”. Aponta o dedo às dificuldades financeiras – “é evidente que este ano de mandato foi muito marcado pela difícil situação financeira – que de resto se continuará a fazer sentir nos próximos anos”. Acusa os socialistas de fazerem a ‘festa’ com os dinheiros públicos – “o executivo anterior fez a ‘festa’ e deixou cá a conta para pagar”. Cortou nas ‘gorduras’ orçamentais – “tomámos importantes medidas de racionalização da despesa, eliminando despesas supérfluas – por exemplo, nalgumas avenças e viagens –, procurando reduzir outras, designadamente de funcionamento”. E reconhece que não tem folga orçamental para fazer o que gostaria – “a dimensão do problema faz com que o município não tenha folga orçamental para dar resposta a investimentos essenciais”. A réplica da oposição (PS) é aquela que se ouve em todos os debates quinzenais na Assembleia da República: “a pretensa situação financeira do município serviu (…) de desculpa fácil, para pouco ou nada fazer neste primeiro ano de mandato”.
Não exageremos. É óbvio que o rigor orçamental de Bernardino Soares seguirá opções de aplicação diferentes das de Passos Coelho. E é evidente que algumas dessas opções relevam do que os distingue ideologicamente. Mas qual é a margem para que essas diferenças sejam mesmo significativas? Muito pouca. Afinal, quando não há dinheiro, não há dinheiro. E não pode ser só coincidência que o discurso de Bernardino pareça plagiado de qualquer um de Passos Coelho, Paulo Portas ou até Vítor Gaspar.
É por isso mesmo que a conversão de Bernardino Soares à chamada ‘austeridade’ é duplamente interessante. Primeiro, ela esclarece um grande equívoco: o de quem acha que a contenção orçamental é uma opção ideológica. Não é. É uma imposição da realidade. E a palavra não é aleatória, porque é precisamente essa a tecla em que tanto se carrega: em 3 anos de legislatura, os cortes orçamentais valeram a Passos Coelho dezenas de diagnósticos de irrealismo. Será também Bernardino um irrealista?
Provavelmente, não. E aí está o segundo motivo de interesse. A governação de Bernardino em Loures é a prova definitiva do grande impasse político em que vivemos: se até um comunista tem de governar como um neoliberal, não há mesmo alternativa ao rigor orçamental. Ou seja, não há mesmo espaço para divergências políticas, para promessas ou para combates ideológicos. Na oposição, cada um que diga o que quiser. Mas, no poder, comunistas, socialistas e sociais-democratas, todos serão “neoliberais” enquanto tiverem contas por pagar.
No fundo, é isto: depois da ‘festa’ vem sempre o rigor orçamental. Governe quem governar. Bernardino está aí para o demonstrar. Não admira, pois, que António Costa ande tão calado.
Os políticas aprenderam todos a mesma música, cuja canção é "a culpa é sempre dos outros" quando não têm capacidade de fazer melhor ou tem-na, mas não a sabem ou não a querem pôr em prática. Eles que façam o que lhes compete fazer. Penso que são eleitos para governar e não para fazerem acusações uns aos outros!
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